quarta-feira, 16 de março de 2011

OIAPOQUE, SUAS CURVAS E O ACIDENTE

Vanildo Maia, fotógrafo, meu amigo de velhas datas, estava sem trabalho. Pintou uma oportunidade, não de fotógrafo, mas de motorista para conduzir a equipe de pesquisadores no Amapá. Vanildo topou! Muita coragem minha, mas era uma forma de ajudar um amigo. (Paulo Silber, o “Saroquinha”, até hoje me critica por ter tomado essa decisão). Vamos nós ao trabalho! Equipe formada, treinada, distribuída para os municípios. Alugamos o carro, um gol novinho, havia chegado de Belém. Destino: Oiapoque. Estrada empiçarrada, curvas longas; estrada quase deserta, poucos veículos trafegavam por aquela rodovia. Até chegar no extremo norte do Brasil, fronteira com as guianas, fomos aplicando o questionário em outras cidades como Tartarugalzinho, Porto Grande, Calçoene, Ferreira Gomes (belo rio a frente da cidade, bom pra tirar ressaca) e Amapá. Nesta pequena cidade que leva o nome do estado, Amapá, nesse período, os carapanãs disputam bico-a-bico sangue novo pela cidade. Os carapanãs aproveitavam pra atacar quando a luz da cidade ia embora, a meia noite. Fomos tentar dormir no carro, fechamos portas, vidros, mesmo assim ainda entrou uns intrusos, com aquele cantar perturbador; mas não aguentamos de tanto calor, tivemos que acordar cedo, ir para o igarapé pra espantar os carapanãs e o sono. Fechamos a pesquisa Amapá e seguimos para a penúltima cidade antes de Oiapoque: Calçoene. Depois de Calçoene, entramos num trecho de floresta fechada, nenhuma viva alma, nenhum carro vindo ou indo, só o nosso; já estava anoitecendo, não conhecíamos nada da estrada. Grandes placas iam aparecendo na estrada: “Reserva Indígena”, “Reserva Indígena”. Dentro do carro o silêncio sepulcral apoderava-se de todos. Pra completar, começa a cair uma chuva, chuva não, um toró! E agora?! – “Vanildo, vai devagar, a gente pode cair num buraco...”. Não deu outra. Caimos num buraco na estrada. O carro quebrou. O medo apoderou-se de todos. Em Calçoene ouvíamos histórias de que ainda tinha uma tribo indígena de canibais, que muitos garimpeiros que se perdiam pelas matas, nunca mais voltavam. Depois descobriam que tinham sido devorados por índios dessa tribo. Caminhamos, caminhamos até encontrarmos uma fazenda. Um bom senhor nos agasalhou até de manhã. Voltamos pra estrada e conseguimos chegar a Oiapoque no ônibus da linha. Vanildo não foi, ficou pra cuidar do carro. Fechamos a pesquisa. Voltamos pra Macapá de ônibus. E vanildo? Havia conseguido rebocar o carro até Oiapoque. Fez os reparos necessários. Agora, a volta, sozinho! Mas ele dizia que era cabra-macho, não tinha medo! – então, parceiro volta! Mas cuidado, muito cuidado, presta atenção nas curvas, não corre muito, vem tranquilo! Não precisa se afobar.

Pois bem, na madrugada do domingo, lá estava eu no Mara Hotel quando toca o telefone. Quem será a essa hora? Pensei logo que fosse alguém de Belém, dos meus filhos.... não! Do outro lado da linha Vanildo Maia: com uma voz abafada, lenta....

- Dornélio, aconteceu uma desgraça! - Ai me acordei de vez, fiquei logo bonzinho.

- Que aconteceu Vanildo?

- Capotei, perdi o controle na curva perto de Calcoene!

- E o carro, Vanildo, como está o carro? – Vanildo ficou alguns segundos em silêncio, depois voltou a falar:

- Pô, Dornélio, em vez de tu perguntares como EU estou, tu te preocupas com carro!!! – Ai percebi meu gafe, mas retruquei:

- É que.... se tu estás falando comigo é porque estás vivo, isso me alegra! Mesmo assim, me desculpe. Conte-me como estás? – Vanildo tinha quebrado dois dentes (por isso que a voz dele estava meio esquisita), escoriações por todo o corpo, queixo quebrado, mas estava de pé!

No dia seguinte, chega em Macapá sobre um caminhão o gol e o Vanildo. O acidentado volta a Belém pra se cuidar. O dono do gol queria outro carro, mas não concordamos. O carro não tinha seguro. Colocamos numa oficina em Macapá. O lucro das pesquisas foi tudo pra pagar o conserto do carro e ajeitar os dentes do Vanildo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário